Do fundo do oceano para o sushi, e do sushi para o fundo do estômago

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Para se apreciar um bom sushi como manda o figurino é preciso dominar a técnica dos "pauzinhos" hashis, o que o povo Japonês, os mestres zen da arte de fazer e saborear este tipo de comida, domina com maestria. O tipo mais simples é o de arroz enrolado com algas "nori", geralmente da espécie Porphyra sp., e também para preparar este prato existem certas técnicas especiais...

Mas eu gostaria de lhes apresentar uma nova técnica milenar e molecular descoberta recentemente, que os japoneses possuem para comer (na verdade digerir) o sushi: São genes de bactérias, que somente existem no microbioma (nome técnico do nicho bacteriano do estômago) desta população. Estes genes codificam enzimas capazes de quebrar os carboidratos complexos da alga nori, para serem assimilados e utilizados no metabolismo humano. A responsável por isto é a Bacteroides plebeius que desempenha esta valorosa função, mas o detalhe é que estes genes estão ausentes em bactérias terrestres, e somente são encontrados em espécies que vivem no fundo mar!

Bacteroides hypermegas

Como essas prosaicas trabalhadoras estomacais adquiriram tal refinada ferramenta molecular? de acordo com a hipótese de Jan-Hendrik Hehemann e colaboradores que realizaram a análise metagenômica destes dados, foi através da boa, velha e já conhecida por leitores deste blog, Transferência horizontal gênica... A dona original deste arcabouço genético é a bactéria marinha, Zobellia galactanivorans, que vive em associação com algas, principalmente "nori".
Acompanhe novamente comigo: os genes da bactéria marinha das algas, que são enroladas para fazer sushi, e compõe a dieta diária no Japão, vão parar dentro do estômago e são "engolfados " no genoma de bactérias que lá vivem e auxiliam na digestão das mesmas algas que carregaram os genes para estas bactérias... Depois desse conto gastronômico e evolutivo, não deu uma vontade de comer sushi?

Eu sei que vocês preferem assim, seus malandros...

Para ler mais detalhes: Not exactly rocket science, Wired
Imagens: aqui, aqui e daqui.

Esta postagem é parte do #PremioBeNeviani e encerra a série especial patrocinada pelos amigos de Wigner sobre o fenômeno da Transferência Horizontal Gênica.

Referência: Hehemann JH, Correc G, Barbeyron T, Helbert W, Czjzek M, & Michel G (2010). Transfer of carbohydrate-active enzymes from marine bacteria to Japanese gut microbiota. Nature, 464 (7290), 908-12 PMID: 20376150

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