A lesma que roubava genes

O Surgimento da fotossíntese foi um dos momentos grandiosos da história da vida aqui na Terra. Começou quando um grupo de organismos banhados pela imponente radiação do nosso Sol branco-amarelado, começou a retirar o CO2 da atmosfera para produzir sua matéria orgânica pessoal. A temperatura do planeta começou a baixar (lembre-se que o CO2 e um gás estufa) e uma nova era do gelo começou. Talvez o primeiro caso de "poluição" em massa, provavelmente levando milhares de organismos anaeróbicos (que não utilizam o oxigênio para respiração) a desaparecerem para sempre. O resto, faz parte da história botânica do nosso planeta. Até certo momento, quando um animal, uma pequena lesma marinha, batizada de Elysia chlorotica, "roubou" o maquinário necessário para a fotossíntese.
Em novembro de 2008 na revista PNAS, foi publicado uma pesquisa demonstrando que a E. chlorotica possui um gene, o psbO, que é idêntico ao da alga em que ela se alimenta, Vaucheria litorea, não existente em nenhum outro animal e faz parte do sistema fotossintético de plantas e de microalgas como a Euglena.

A habilidade de fazer fotossíntese, por aproximadamente nove meses após se refestelar em algas marinhas, ocorre devido a ingestão dos plastídios durante o desenvolvimento juvenil do molusco (por isso sua cor esmeralda) já havia sido descrita em artigos anteriores do mesmo grupo de pesquisa de Mary E. Rumpho, responsável pela identificação do gene PsbO no genoma da E. chlorotica. Mas como foi que a lesma "roubou" o gene da alga e começou a fazer fotossíntese? Essa característica de roubar, é conhecida técnicamente como cleptoplastia, e deve ter acontecido com os ancestrais da lesma e da alga, que possuem essa profunda intimidade há milhares de anos atrás, onde acidentalmente o gene foi sequestrado no genoma da lesma em uma transferência horizontal gênica.
Durante o XII RABU da UNISINOS, em Novembro desse ano, estava assistindo a excelente palestra do prof. Elgion Loreto da UFSM, de Santa Maria/RS, sobre elementos transponíveis e a transferência horizontal gênica, quando vejo aquela foto enorme projetada da parede, a mesma que ilustra o banner desse blog, e nesse momento todos os meus colegas de curso olharam para trás da fileira de bancos me procurando, pois tinham reconhecido a minha querida lesma marinha fotossintetizante. Um momento grandioso da historia da vida desse blog.

Gostaria de dedicar esse texto ao professor Francisco J. Carrapiço, da Universidade de Lisboa, que gentilmente me aceitou para um estágio em seu laboratório, mas que ainda não pude realizar por motivos econômicos.

Referências:

Chloroplast genes are expressed during intracellular symbiotic association of Vaucheria litorea plastids with the sea slug Elysia chlorotica. Proc Natl Acad Sci USA

Rumpho ME, Worful JM, Lee J, et al. (November 2008). "Horizontal gene transfer of the algal nuclear gene psbO to the photosynthetic sea slug Elysia chlorotica". Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 105 (46): 17867–17871.

100nexos



2 Response to "A lesma que roubava genes"

  • Natália Says:

    Fizeste o post sobre tua lesminha, afinal! Quanta satisfação!
    Eu bem me lembro do momento fatídico no RABU!

    Essa belezura é um ótimo exemplo para chamar a atenção para este fenômeno tão fascinante e importante para a história evolutiva, a Transferência Horizontal de Genes.

    Acredito que, se depender de ti, né Felipe, propagando não vai faltar!! hehe

    Parabéns pelo post, excelente como sempre, e parabéns pela dedicação que fizeste (e o que isso significa!).

    ;)
    Natália


  • Clarissa Says:

    RÁ! AS microalgas, como sempre, comandando! XD Mais uma vez elas sendo citadas no teu blog, que bom isso! Nada mais natural, dada a importância delas nesse mundo (especialmente no meu)...

    É, todo mundo olhou pro Felipe mesmo, momento "Felipe 'brilhando muito'" como diz o nosso colega Cauduro.

    Eu imagino o fascínio de olhar pra essa lesma, começo a imaginar como serão os invertebrados do futuro...